O conselheiro Jefferson Kravchychyn,
do CNJ, deferiu liminar para suspender a incidência da interpretação que vem
sendo dada pelo TRT paranaense e pelo juízo da vara do Trabalho de Colombo/PR, que
tem obrigado que os advogados possuidores de procuração com poderes para
receber e dar quitação comprovem, nos autos, o repasse de valores pertencentes
a seus clientes. Tal interpretação vem sendo utilizada com respaldo na portaria
5/08, assinada pelo juiz titular da vara do Trabalho de Colombo, Waldomiro
Antonio da Silva.
O relator afirma que o teor da
portaria 5/08 não expressa tal exigência, pois somente determina que seja feita
a intimação, por parte da Secretaria, de todos os favorecidos mencionados nas
guias de retirada, quando no documento esteja autorizado o saque também por
procurador. A portaria, por sua vez, se baseia no artigo 167, §4º, do
Provimento Geral da Corregedoria Regional do Trabalho da 9ª região.
Para o conselheiro, a interpretação
adotada pelo TRT acabou por criar, ex officio, uma ação de
prestação de contas dentro do procedimento estabelecido pelas leis
trabalhistas, invadindo a seara do Direito Processual. No entanto, segundo ele,
os atos administrativos não podem invadir competência legislativa, sob pena de
afrontar o princípio da reserva legal.
“Quem pode pedir prestação de contas
é somente o outorgante da procuração com poderes especiais ao advogado, ou seja,
trata-se de uma relação cliente-advogado, não afeta ao Judiciário”, afirma o
conselheiro na decisão. “O advogado, por ser essencial à função jurisdicional
do Estado, converte a sua atividade profissional em prática inestimável de
liberdade e exercício de democracia. Para isso, conta com a proteção legal de
suas prerrogativas, que devem ser exercidas com independência e sem restrições
indevidas”, acrescentou.
Com base nesses argumentos, o
conselheiro decidiu pelo afastamento da interpretação dada pelo TRT da 9ª
região e determinou que sejam oficiadas da decisão, com urgência, a
Corregedoria do TRT paranaense e o juízo da vara do Trabalho de Colombo, para
que se abstenham de fazer a exigência a partir de agora.
A decisão será incluída na sessão
desta terça-feira, 29, para ratificação pelo plenário do CNJ.
Confira abaixo a decisão na íntegra:
PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS N.°
0000340-17.2013.2.00.0000
RELATOR: CONSELHEIRO JEFFERSON
KRAVCHYCHYN
REQUERENTE: CONSELHO FEDERAL DA
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
REQUERIDOS: TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO
DA 9ª REGIÃO E JUÍZO DA VARA DO TRABALHO DE COLOMBO/PR
DECISÃO LIMINAR
VISTOS.
Trata-se de Pedido de Providências
(PP), instaurado a requerimento do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB), em face do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT9) e do
Juízo da Vara do Trabalho de Colombo/PR, requerendo, liminarmente, que os
requeridos se abstenham de exigir dos advogados que possuam procuração com
poderes específicos para receber e dar quitação a comprovação, nos autos, do
repasse de valores pertencentes a seus clientes, nas hipóteses em que os
alvarás de levantamento de valores sejam retirados/sacados diretamente pelos
procuradores.
Alega que o Juízo da Vara do
Trabalho de Colombo/PR instituiu, por intermédio da Portaria nº 005/2008, a
ilegal coação/obrigação de que os advogados que possuem procuração com poderes
para receber e dar quitação comprovem, nos autos, o repasse de valores
pertencentes a seus clientes, nas hipóteses em que os alvarás de levantamento
de valores sejam retirados/sacados diretamente pelos procuradores, sob pena de
expedição de ofício ao Ministério Público Federal e à Ordem dos Advogados do
Brasil.
Aduz que a Câmara de Direitos e
Prerrogativas da Seccional da OAB/PR levou a Portaria nº 005/2008 à análise da
Corregedoria do TRT9 por intermédio do Pedido de Providência nº
00839/2010-909-09-00-0. Todavia, o órgão correcional local manifestou-se pela
legalidade e regularidade do ato normativo impugnado.
Fundamenta que, da leitura do ato
normativo combatido, a Portaria apenas estabelece que a Secretaria da Vara
intime todos os favorecidos mencionados nas guias de retirada por ela
expedidas, quando no documento haja autorização para saque também por
procurador. No entanto, a interpretação que vem sendo adotada pelo juízo da
Vara do Trabalho do Colombo/PR determina que os advogados comprovem em juízo o
repasse de valores pertencentes a seus clientes, nas hipóteses em que os
alvarás de levantamento de valores sejam retirados/sacados diretamente pelos
procuradores.
Pontua que o ato normativo nada tem
a ver com a obrigação do advogado e a prestação de contas a seu cliente, uma
vez que a Portaria prevê somente que seja comunicada a parte sobre a expedição
do alvará.
No mérito, requer a confirmação do
pedido liminar, a procedência do Pedido de Providências.
É, em apertada síntese, o relatório.
DECIDO:
Preliminarmente, recebo o presente
Pedido de Providências como Procedimento de Controle Administrativo, razão pela
qual determino à Secretaria Processual a reautuação do feito.
A Constituição Federal reconheceu a
advocacia como função essencial à Justiça, pois o advogado é defensor do Estado
Democrático de Direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da
paz social. Esse escopo de atribuições só pode ser cumprido mediante a garantia
das prerrogativas profissionais.
Este Conselho já garantiu, como
prerrogativa do advogado, o direito de, quando possuir poderes especiais para
receber e dar quitação, expedição, em seu nome, de alvará para levantamento de
crédito, in verbis:
PROCEDIMENTO DE CONTROLE
ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. OFÍCIO CIRCULAR
53/2008/CGJ/TJ-SC. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ. INTIMAÇÃO DE ADVOGADO PARA APRESENTAÇÃO
DE DADOS BANCÁRIOS DA PARTE. DIREITOS DO ADVOGADO. LEI 8.906/94. PROCEDÊNCIA.
1. Pretensão de desconstituição da
determinação da Corregedoria-Geral do TJ/SC aos cartórios judiciais, no Ofício
Circular n. 53/2008/CGJ/TJ-SC, de 14.07.2008, no sentido de que, na ausência
dos dados do beneficiário do alvará, seja intimado o advogado da parte para que
forneça tais informações.
2. Se o advogado possui poderes
especiais para receber e dar quitação, não é válido o ato restritivo da
possibilidade de expedição, em seu nome, de alvará para levantamento de
crédito.
3. É necessária a expedição de novo
ato pela Corregedoria-Geral de Justiça de Santa Catarina, em substituição ao
Ofício Circular n. 53/2008/CGJ/TJ-SC, com o sentido de afastar interpretações
restritivas do direito dos advogados à expedição de alvará em seu nome, quando
detenham poderes especiais para receber e dar quitação.
Procedência do pedido. (CNJ - PCA -
Procedimento de Controle Administrativo - 0002350-73.2009.2.00.0000 - Rel. JOSÉ
ADONIS CALLOU DE ARAÚJO SÁ - 90ª Sessão - j. 15/09/2009.) Grifei.
O Juízo da Vara do Trabalho de Colombo/PR
vem determinando, corroborado pela Corregedoria do TRT9, que os advogados
possuidores de procuração com poderes para receber e dar quitação comprovem,
nos autos, o repasse de valores pertencentes a seus clientes, nas hipóteses em
que os alvarás de levantamento de valores sejam retirados/sacados diretamente
pelos procuradores, sob pena de expedição de ofício ao Ministério Público
Federal e à Ordem dos Advogados do Brasil.
Verifico, entretanto, que, da
leitura da Portaria nº 005/2008, não há referência sobre tal determinação,
senão vejamos:
O Doutor WALDOMIRO ANTONIO DA SILVA,
Juiz Titular da Vara do Trabalho de Colombo-PR, no uso de suas atribuições
legais e regimentais, com a finalidade de imprimir maior segurança às partes e
procuradores resolve:
DETERMINAR que a Secretaria, a
partir desta data, intimem (sic) todos os favorecidos mencionados nas guias de
retirada expedidas por esta Unidade, quando no documento esteja autorizado o
saque também por procurador.
Encaminhe-se cópia à Corregedoria
Publique-se.
Colombo, 24 de setembro de 2008.
WALDOMIRO ANTONIO DA SILVA
Juiz do Trabalho
À primeira vista, não há qualquer
ilegalidade no ato emanado do Juízo da Vara do Trabalho de Colombo/PR, pois há
somente a determinação de intimação, por parte da Secretaria, de todos os
favorecidos mencionados nas guias de retirada, quando no documento esteja
autorizado o saque também por procurador. O magistrado Waldomiro Antonio da
Silva fundamenta sua interpretação de determinar a prestação de contas pelos
advogados embasando-se no artigo 167, §4º, do Provimento Geral da Corregedoria
Regional do Trabalho da 9ª Região (DOC5, pág.2), verbis:
Art. 167. A guia de retirada e o
alvará judicial para levantamento de depósito serão emitidos em nome do
procurador com poderes especiais.
(...)
§ 4º. As guias de retirada e alvarás
judiciais serão remetidos aos bancos depositários, mediante relatórios
expedidos pelo SUAP e as partes serão intimados para recebê-los.
Percebe-se, claramente, que não há, nos
dois atos normativos supracitados, determinação para que os advogados
possuidores de procuração com poderes para receber e dar quitação comprovem,
nos autos, o repasse de valores pertencentes a seus clientes, nas hipóteses em
que os alvarás de levantamento de valores sejam retirados/sacados diretamente
pelos procuradores, sob pena de expedição de ofício ao Ministério Público
Federal e à Ordem dos Advogados do Brasil.
Com efeito, entendo que não há
ilegalidade nos atos normativos propriamente ditos, mas sim na interpretação
realizada pelo Juízo da Vara do Trabalho de Colombo/PR e pela Corregedoria do
TRT9 que, fundamentado nos atos supracitados, determinam aos advogados que
comprovem, em juízo, o repasse de valores pertencentes a seus clientes.
A interpretação realizada pelo TRT9
cria, ex officio, uma ação de prestação de contas dentro do procedimento
estabelecido pelas leis trabalhistas, invadindo a seara do direito processual.
Os atos administrativos não podem invadir competência legislativa, sob pena de
afrontar o princípio da reserva legal, conforme precedente:
EMENTA: PROCEDIMENTO DE CONTROLE
ADMINISTRATIVO. INSTRUÇÃO DA CORREGEDORIA DE JUSTIÇA. NORMA DE ORIENTAÇÃO.
ALVARÁS DE LEVANTAMENTO DE VALORES. IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO AO MAGISTRADO.
PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. INVASÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. NECESSIDADE DE
ALTERAÇÃO DO COMANDO NORMATIVO.
1 – O artigo 2º da Instrução nº
002/2011-CJRMB da Corregedoria de Justiça da Região Metropolitana de Belém/PA
transcende o caráter de mera orientação aos juízes vinculados ao órgão do qual
emana o ato, pois impõe a eles uma obrigação.2 - O ato administrativo invade a
competência legislativa, em clara afronta ao princípio da reserva legal, ao
criar uma obrigação que se coloca acima da própria lei processual aplicável ao
caso concreto.
3 – O comando inibe a conduta de
decidir do magistrado e afeta o seu poder geral de cautela no processo, pois
dita ao juiz a forma como deve proceder ao se deparar com situações
relacionadas à liberação de valores depositados em juízo.
4 – Pedido julgado procedente,
determinada a alteração da redação do artigo 2º da referida Instrução.
(...)(CNJ - PCA - Procedimento de
Controle Administrativo - 0002683-20.2012.2.00.0000 - Rel. SÍLVIO ROCHA - 159ª
Sessão - j. 27/11/2012). (Grifei)
Ademais, quem pode pedir prestação
de contas é somente o outorgante da procuração com poderes especiais ao
advogado, ou seja, trata-se de uma relação cliente-advogado, não afeta ao
Judiciário.
Saliento que não há ilegalidade nos
dois atos normativos verificados, bem como não há prejuízo aos advogados a mera
intimação das partes sobre a expedição do alvará para levantamento de valores,
razão pela qual somente a interpretação dada pelo TRT9 deve ser afastada.
No presente caso, a fim de salvar o
texto normativo, torna-se imprescindível a utilização do recurso hermenêutico
da declaração de nulidade parcial sem redução de texto, o qual é utilizado com
bastante frequência pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo em sede de medida
cautelar (MC/ADI 2325/DF, Relator Ministro Marco Aurélio).
Portanto, os atos normativos não
devem ser anulados, mas, como há ilegalidade na interpretação realizada pelo
Juízo da Vara do Trabalho de Colombo/PR e pelo TRT9, qual seja, determinar a
comprovação do repasse de valores pertencentes a seus clientes, nos autos, nas
hipóteses em que os alvarás de levantamento de valores sejam retirados/sacados
diretamente pelos procuradores, ela deverá ser afastada pela declaração de
nulidade parcial sem redução de texto, conservando, assim, os atos normativos.
O advogado, por ser essencial à
função jurisdicional do Estado, converte a sua atividade profissional em
prática inestimável de liberdade e exercício de democracia. Para isso, conta
com a proteção legal de suas prerrogativas, que devem ser exercidas com
independência e sem restrições indevidas.
O Regimento Interno do CNJ permite
ao Relator, no art. 25, XI, deferir medidas acauteladoras quando haja fundado
receio de prejuízo, dano irreparável ou risco de perecimento do direito
invocado.
Com efeito, verifico que o fumus
boni iuris resta consubstanciado na gravidade da situação que se apresenta e a
lesão direta às prerrogativas dos advogados estabelecidas na Lei nº 8.906/94,
bem como na existência de precedentes deste Conselho em casos similares.
Conquanto a edição seja do ano de
2008, os efeitos da portaria atingem toda classe de advogados, inclusive os
causídicos de outros estados, que, por ventura, atuarem ou vierem a atuar na
Justiça Trabalhista do Paraná, o que não faz desaparecer o periculum in mora,
até porque em cada processo surgirá o efeito da referida interpretação ilegal.
Assim, o perigo da demora está
configurado no dano permanente de restrição das prerrogativas dos advogados, o
que pode gerar grave lesão ou de difícil reparação.
Ante o exposto, há motivos
suficientes para autorizar medida urgente e acauteladora, razão pela qual
defiro o pedido liminar para declarar, em medida cautelar, a nulidade parcial
sem redução de texto, para suspender a incidência da interpretação dada pelo
Juízo da Vara do Trabalho de Colombo/PR e pelo TRT9, a qual determina a
comprovação do repasse de valores pertencentes a seus clientes, nos autos, nas
hipóteses em que os alvarás de levantamento de valores sejam retirados/sacados
diretamente pelos procuradores, usada na Portaria nº005/2008, até ulterior
manifestação do Plenário deste CNJ.
Oficiem-se, com urgência, à
Corregedoria do TRT9 e ao Juízo da Vara do Trabalho de Colombo/PR, solicitando
informações, no prazo de 15 (dez) dias.
A presente decisão deverá ser incluída
na próxima sessão para ratificação do Plenário.
À Secretaria Processual para
reautuação do feito como Procedimento de Controle Administrativo.
Intimem-se com urgência. Cópia do
presente servirá como ofício.
Brasília, 28 de janeiro de 2013.
Conselheiro JEFFERSON KRAVCHYCHYN
Relator
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