janeiro 31, 2013

CNJ suspende obrigação de advogado comprovar repasses


O conselheiro Jefferson Kravchychyn, do CNJ, deferiu liminar para suspender a incidência da interpretação que vem sendo dada pelo TRT paranaense e pelo juízo da vara do Trabalho de Colombo/PR, que tem obrigado que os advogados possuidores de procuração com poderes para receber e dar quitação comprovem, nos autos, o repasse de valores pertencentes a seus clientes. Tal interpretação vem sendo utilizada com respaldo na portaria 5/08, assinada pelo juiz titular da vara do Trabalho de Colombo, Waldomiro Antonio da Silva.

O relator afirma que o teor da portaria 5/08 não expressa tal exigência, pois somente determina que seja feita a intimação, por parte da Secretaria, de todos os favorecidos mencionados nas guias de retirada, quando no documento esteja autorizado o saque também por procurador. A portaria, por sua vez, se baseia no artigo 167, §4º, do Provimento Geral da Corregedoria Regional do Trabalho da 9ª região.

Para o conselheiro, a interpretação adotada pelo TRT acabou por criar, ex officio, uma ação de prestação de contas dentro do procedimento estabelecido pelas leis trabalhistas, invadindo a seara do Direito Processual. No entanto, segundo ele, os atos administrativos não podem invadir competência legislativa, sob pena de afrontar o princípio da reserva legal.

“Quem pode pedir prestação de contas é somente o outorgante da procuração com poderes especiais ao advogado, ou seja, trata-se de uma relação cliente-advogado, não afeta ao Judiciário”, afirma o conselheiro na decisão. “O advogado, por ser essencial à função jurisdicional do Estado, converte a sua atividade profissional em prática inestimável de liberdade e exercício de democracia. Para isso, conta com a proteção legal de suas prerrogativas, que devem ser exercidas com independência e sem restrições indevidas”, acrescentou.

Com base nesses argumentos, o conselheiro decidiu pelo afastamento da interpretação dada pelo TRT da 9ª região e determinou que sejam oficiadas da decisão, com urgência, a Corregedoria do TRT paranaense e o juízo da vara do Trabalho de Colombo, para que se abstenham de fazer a exigência a partir de agora.

A decisão será incluída na sessão desta terça-feira, 29, para ratificação pelo plenário do CNJ.

Confira abaixo a decisão na íntegra:



PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS N.° 0000340-17.2013.2.00.0000
RELATOR: CONSELHEIRO JEFFERSON KRAVCHYCHYN
REQUERENTE: CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
REQUERIDOS: TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 9ª REGIÃO E JUÍZO DA VARA DO TRABALHO DE COLOMBO/PR
DECISÃO LIMINAR
VISTOS.

Trata-se de Pedido de Providências (PP), instaurado a requerimento do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em face do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT9) e do Juízo da Vara do Trabalho de Colombo/PR, requerendo, liminarmente, que os requeridos se abstenham de exigir dos advogados que possuam procuração com poderes específicos para receber e dar quitação a comprovação, nos autos, do repasse de valores pertencentes a seus clientes, nas hipóteses em que os alvarás de levantamento de valores sejam retirados/sacados diretamente pelos procuradores.

Alega que o Juízo da Vara do Trabalho de Colombo/PR instituiu, por intermédio da Portaria nº 005/2008, a ilegal coação/obrigação de que os advogados que possuem procuração com poderes para receber e dar quitação comprovem, nos autos, o repasse de valores pertencentes a seus clientes, nas hipóteses em que os alvarás de levantamento de valores sejam retirados/sacados diretamente pelos procuradores, sob pena de expedição de ofício ao Ministério Público Federal e à Ordem dos Advogados do Brasil.

Aduz que a Câmara de Direitos e Prerrogativas da Seccional da OAB/PR levou a Portaria nº 005/2008 à análise da Corregedoria do TRT9 por intermédio do Pedido de Providência nº 00839/2010-909-09-00-0. Todavia, o órgão correcional local manifestou-se pela legalidade e regularidade do ato normativo impugnado.

Fundamenta que, da leitura do ato normativo combatido, a Portaria apenas estabelece que a Secretaria da Vara intime todos os favorecidos mencionados nas guias de retirada por ela expedidas, quando no documento haja autorização para saque também por procurador. No entanto, a interpretação que vem sendo adotada pelo juízo da Vara do Trabalho do Colombo/PR determina que os advogados comprovem em juízo o repasse de valores pertencentes a seus clientes, nas hipóteses em que os alvarás de levantamento de valores sejam retirados/sacados diretamente pelos procuradores.

Pontua que o ato normativo nada tem a ver com a obrigação do advogado e a prestação de contas a seu cliente, uma vez que a Portaria prevê somente que seja comunicada a parte sobre a expedição do alvará.

No mérito, requer a confirmação do pedido liminar, a procedência do Pedido de Providências.
É, em apertada síntese, o relatório.

DECIDO:
Preliminarmente, recebo o presente Pedido de Providências como Procedimento de Controle Administrativo, razão pela qual determino à Secretaria Processual a reautuação do feito.
A Constituição Federal reconheceu a advocacia como função essencial à Justiça, pois o advogado é defensor do Estado Democrático de Direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social. Esse escopo de atribuições só pode ser cumprido mediante a garantia das prerrogativas profissionais.

Este Conselho já garantiu, como prerrogativa do advogado, o direito de, quando possuir poderes especiais para receber e dar quitação, expedição, em seu nome, de alvará para levantamento de crédito, in verbis:

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. OFÍCIO CIRCULAR 53/2008/CGJ/TJ-SC. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ. INTIMAÇÃO DE ADVOGADO PARA APRESENTAÇÃO DE DADOS BANCÁRIOS DA PARTE. DIREITOS DO ADVOGADO. LEI 8.906/94. PROCEDÊNCIA.

1. Pretensão de desconstituição da determinação da Corregedoria-Geral do TJ/SC aos cartórios judiciais, no Ofício Circular n. 53/2008/CGJ/TJ-SC, de 14.07.2008, no sentido de que, na ausência dos dados do beneficiário do alvará, seja intimado o advogado da parte para que forneça tais informações.

2. Se o advogado possui poderes especiais para receber e dar quitação, não é válido o ato restritivo da possibilidade de expedição, em seu nome, de alvará para levantamento de crédito.
3. É necessária a expedição de novo ato pela Corregedoria-Geral de Justiça de Santa Catarina, em substituição ao Ofício Circular n. 53/2008/CGJ/TJ-SC, com o sentido de afastar interpretações restritivas do direito dos advogados à expedição de alvará em seu nome, quando detenham poderes especiais para receber e dar quitação.

Procedência do pedido. (CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0002350-73.2009.2.00.0000 - Rel. JOSÉ ADONIS CALLOU DE ARAÚJO SÁ - 90ª Sessão - j. 15/09/2009.) Grifei.
O Juízo da Vara do Trabalho de Colombo/PR vem determinando, corroborado pela Corregedoria do TRT9, que os advogados possuidores de procuração com poderes para receber e dar quitação comprovem, nos autos, o repasse de valores pertencentes a seus clientes, nas hipóteses em que os alvarás de levantamento de valores sejam retirados/sacados diretamente pelos procuradores, sob pena de expedição de ofício ao Ministério Público Federal e à Ordem dos Advogados do Brasil.
Verifico, entretanto, que, da leitura da Portaria nº 005/2008, não há referência sobre tal determinação, senão vejamos:

O Doutor WALDOMIRO ANTONIO DA SILVA, Juiz Titular da Vara do Trabalho de Colombo-PR, no uso de suas atribuições legais e regimentais, com a finalidade de imprimir maior segurança às partes e procuradores resolve:
DETERMINAR que a Secretaria, a partir desta data, intimem (sic) todos os favorecidos mencionados nas guias de retirada expedidas por esta Unidade, quando no documento esteja autorizado o saque também por procurador.
Encaminhe-se cópia à Corregedoria
Publique-se.
Colombo, 24 de setembro de 2008.
WALDOMIRO ANTONIO DA SILVA
Juiz do Trabalho
À primeira vista, não há qualquer ilegalidade no ato emanado do Juízo da Vara do Trabalho de Colombo/PR, pois há somente a determinação de intimação, por parte da Secretaria, de todos os favorecidos mencionados nas guias de retirada, quando no documento esteja autorizado o saque também por procurador. O magistrado Waldomiro Antonio da Silva fundamenta sua interpretação de determinar a prestação de contas pelos advogados embasando-se no artigo 167, §4º, do Provimento Geral da Corregedoria Regional do Trabalho da 9ª Região (DOC5, pág.2), verbis:
Art. 167. A guia de retirada e o alvará judicial para levantamento de depósito serão emitidos em nome do procurador com poderes especiais.
(...)
§ 4º. As guias de retirada e alvarás judiciais serão remetidos aos bancos depositários, mediante relatórios expedidos pelo SUAP e as partes serão intimados para recebê-los.
Percebe-se, claramente, que não há, nos dois atos normativos supracitados, determinação para que os advogados possuidores de procuração com poderes para receber e dar quitação comprovem, nos autos, o repasse de valores pertencentes a seus clientes, nas hipóteses em que os alvarás de levantamento de valores sejam retirados/sacados diretamente pelos procuradores, sob pena de expedição de ofício ao Ministério Público Federal e à Ordem dos Advogados do Brasil.
Com efeito, entendo que não há ilegalidade nos atos normativos propriamente ditos, mas sim na interpretação realizada pelo Juízo da Vara do Trabalho de Colombo/PR e pela Corregedoria do TRT9 que, fundamentado nos atos supracitados, determinam aos advogados que comprovem, em juízo, o repasse de valores pertencentes a seus clientes.
A interpretação realizada pelo TRT9 cria, ex officio, uma ação de prestação de contas dentro do procedimento estabelecido pelas leis trabalhistas, invadindo a seara do direito processual. Os atos administrativos não podem invadir competência legislativa, sob pena de afrontar o princípio da reserva legal, conforme precedente:
EMENTA: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. INSTRUÇÃO DA CORREGEDORIA DE JUSTIÇA. NORMA DE ORIENTAÇÃO. ALVARÁS DE LEVANTAMENTO DE VALORES. IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO AO MAGISTRADO. PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. INVASÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. NECESSIDADE DE ALTERAÇÃO DO COMANDO NORMATIVO.
1 – O artigo 2º da Instrução nº 002/2011-CJRMB da Corregedoria de Justiça da Região Metropolitana de Belém/PA transcende o caráter de mera orientação aos juízes vinculados ao órgão do qual emana o ato, pois impõe a eles uma obrigação.2 - O ato administrativo invade a competência legislativa, em clara afronta ao princípio da reserva legal, ao criar uma obrigação que se coloca acima da própria lei processual aplicável ao caso concreto.
3 – O comando inibe a conduta de decidir do magistrado e afeta o seu poder geral de cautela no processo, pois dita ao juiz a forma como deve proceder ao se deparar com situações relacionadas à liberação de valores depositados em juízo.
4 – Pedido julgado procedente, determinada a alteração da redação do artigo 2º da referida Instrução.
(...)(CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0002683-20.2012.2.00.0000 - Rel. SÍLVIO ROCHA - 159ª Sessão - j. 27/11/2012). (Grifei)
Ademais, quem pode pedir prestação de contas é somente o outorgante da procuração com poderes especiais ao advogado, ou seja, trata-se de uma relação cliente-advogado, não afeta ao Judiciário.
Saliento que não há ilegalidade nos dois atos normativos verificados, bem como não há prejuízo aos advogados a mera intimação das partes sobre a expedição do alvará para levantamento de valores, razão pela qual somente a interpretação dada pelo TRT9 deve ser afastada.
No presente caso, a fim de salvar o texto normativo, torna-se imprescindível a utilização do recurso hermenêutico da declaração de nulidade parcial sem redução de texto, o qual é utilizado com bastante frequência pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo em sede de medida cautelar (MC/ADI 2325/DF, Relator Ministro Marco Aurélio).
Portanto, os atos normativos não devem ser anulados, mas, como há ilegalidade na interpretação realizada pelo Juízo da Vara do Trabalho de Colombo/PR e pelo TRT9, qual seja, determinar a comprovação do repasse de valores pertencentes a seus clientes, nos autos, nas hipóteses em que os alvarás de levantamento de valores sejam retirados/sacados diretamente pelos procuradores, ela deverá ser afastada pela declaração de nulidade parcial sem redução de texto, conservando, assim, os atos normativos.
O advogado, por ser essencial à função jurisdicional do Estado, converte a sua atividade profissional em prática inestimável de liberdade e exercício de democracia. Para isso, conta com a proteção legal de suas prerrogativas, que devem ser exercidas com independência e sem restrições indevidas.
O Regimento Interno do CNJ permite ao Relator, no art. 25, XI, deferir medidas acauteladoras quando haja fundado receio de prejuízo, dano irreparável ou risco de perecimento do direito invocado.
Com efeito, verifico que o fumus boni iuris resta consubstanciado na gravidade da situação que se apresenta e a lesão direta às prerrogativas dos advogados estabelecidas na Lei nº 8.906/94, bem como na existência de precedentes deste Conselho em casos similares.
Conquanto a edição seja do ano de 2008, os efeitos da portaria atingem toda classe de advogados, inclusive os causídicos de outros estados, que, por ventura, atuarem ou vierem a atuar na Justiça Trabalhista do Paraná, o que não faz desaparecer o periculum in mora, até porque em cada processo surgirá o efeito da referida interpretação ilegal.
Assim, o perigo da demora está configurado no dano permanente de restrição das prerrogativas dos advogados, o que pode gerar grave lesão ou de difícil reparação.
Ante o exposto, há motivos suficientes para autorizar medida urgente e acauteladora, razão pela qual defiro o pedido liminar para declarar, em medida cautelar, a nulidade parcial sem redução de texto, para suspender a incidência da interpretação dada pelo Juízo da Vara do Trabalho de Colombo/PR e pelo TRT9, a qual determina a comprovação do repasse de valores pertencentes a seus clientes, nos autos, nas hipóteses em que os alvarás de levantamento de valores sejam retirados/sacados diretamente pelos procuradores, usada na Portaria nº005/2008, até ulterior manifestação do Plenário deste CNJ.
Oficiem-se, com urgência, à Corregedoria do TRT9 e ao Juízo da Vara do Trabalho de Colombo/PR, solicitando informações, no prazo de 15 (dez) dias.
A presente decisão deverá ser incluída na próxima sessão para ratificação do Plenário.
À Secretaria Processual para reautuação do feito como Procedimento de Controle Administrativo.
Intimem-se com urgência. Cópia do presente servirá como ofício.
Brasília, 28 de janeiro de 2013.
Conselheiro JEFFERSON KRAVCHYCHYN
Relator

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