março 06, 2013

Jovens advogados trocam escritórios tradicionais por 'descolados'


Gravata e sala privativa deixaram de ser lei em alguns escritórios de advocacia da cidade. Jovens profissionais estão protagonizando rachas em sociedades tradicionais e abrindo as próprias firmas com propostas menos formais do que nos antigos empregos.
 "Tem muito a ver com ser jovem. As cisões vêm turbinadas por esse pessoal", resume Guilherme Amaral, 31. Há menos de dois anos, ele e outros 69 advogados saíram da antiga banca, o Felsberg e Associados, e abriram o próprio escritório, na avenida Paulista. O AidarSBZ fica a poucos quarteirões do Felsberg, onde Amaral entrou como estagiário e ficou por dez anos.
As duas empresas atuam em áreas semelhantes do direito, atendendo grandes empresas. Mas, no novo endereço, os sócios criaram horários mais flexíveis, passaram a permitir o "home office" e aboliram a maior parte das salas fechadas para dar lugar a bancadas coletivas, que reúnem tanto estagiários quanto sócios.
"Você consegue fazer um trabalho sério sem ser sisudo e sem exigir um monte de regras", conta Amaral numa sexta, antes de participar da happy hour que começaria ali mesmo no escritório, com direito a bingo e cerveja.
A ruptura, diz, foi pacífica. O sócio e fundador de sua antiga firma, Thomas Felsberg, 69, concorda. "Temos valores consolidados e havia advogados com ideias próprias, que não se encaixavam na cultura do escritório."
 Na hora de contratar novos profissionais, Amaral aposta na diversidade, "do advogado mais malandro ao CDF". "Tenho cliente que não precisa de inglês. Vou perder o funcionário porque ele não sabe o idioma?", indaga. "Tem escritório que exige até mestrado para alguém subir na carreira."
O advogado Rubens Vidigal Neto, 33, também aderiu às baias coletivas quando montou seu escritório na Consolação, região central, há menos de três anos. "Ninguém precisa bater na minha sala para falar comigo. Dá ideia de pertencimento ao lugar", diz o sócio do Perlman Vidigal, especializado em áreas como mercado de capitais.
Ali, muitas questões são decididas em comitês com integrantes de todas as categorias de advogados, não só sócios. Horários também são mais flexíveis. "Existe uma cultura de se trabalhar até altas horas, mas a gente gosta de curtir a vida em outros aspectos."
A ideia de abrir o próprio empreendimento, diz, foi "financeiramente positiva", mas ele ressalta que a atitude pode ter seus riscos. "Tenho colegas que fizeram movimentos parecidos, mas num momento em que não tinham um histórico profissional sólido. O resultado não foi positivo."
Os advogados não revelam valores, mas a consultora Anna Luiza Boranga, que há mais de 20 anos trabalha na reestruturação de sociedades de advogados, estima que podem girar em torno de R$ 50 mil mensais os ganhos de quem deixa uma banca consolidada
para abrir o próprio escritório.
JEANS E VIDEOGAME
Além de horários mais flexíveis, os escritórios "jovens" também adotaram visual mais informal. "Às vezes, o cliente tem uma barreira para se abrir com um advogado 'coxinha'", justifica Juliano Cornacchia, 32, que em 2005 saiu de um banco de investimentos e hoje é um dos sócios do PMKA.
No escritório, que fica no Alto de Pinheiros, zona oeste, o terno foi pendurado e os advogados trabalham de jeans. "É a linguagem dos nossos clientes do mercado financeiro", diz Cornacchia. "A gente quis ficar mais parecido com eles do que com os nossos concorrentes", completa ele, que usa a sala de videogame do escritório "para descompressão".
A mudança nos escritórios é mais visível entre os que lidam com clientes como bancos e grandes empresas. Mais globalizadas e mais ricas que as bancas de outras áreas do direito, elas foram pioneiras em reformar suas sociedades, até então ligadas à figura do dono e com estruturas familiares.
Mas, mesmo depois de "modernizarem" seus setores, ainda enfrentam o risco de rupturas e da fuga de jovens advogados. "É bastante traumático. Além do advogado, o escritório pode perder os clientes que vão com o profissional", diz Anna Luiza Boranga.
Segundo a consultora, a faixa etária tem peso no movimento de cisões. "É o imediatismo da geração Y. O advogado quer uma carreira rápida, em que ganha bem e não quer trabalhar 20 horas por dia por vários anos."

O advogado Rodrigo Vella, 36, não vê influência da geração nos rompimentos. "[As cisões] não acontecem no resto do mundo. Acontece aqui porque os escritórios não estão preparados para gerenciar os advogados." Ele argumenta que falta plano de carreira e política de retenção nas firmas.
Quando abriu o Vella Pugliese Buosi e Guidoni, na Vila Olímpia (zona oeste), em 2006, ele diz ter se preocupado em desenhar o modelo de carreira e de divisão do lucro antes de colocá-lo em prática. "Cada um sabe como vai subir [de nível], sem depender do humor dos sócios e sem querer montar um escritório próprio."
Em setembro, uma dessas cisões gerou barulho no mercado, quando advogados saídos de dois grandes escritórios, o Machado Meyer e o Souza Cescon, juntaram-se para criar o Stocche, Forbes, Padis, Filizzola e Clápis, no Cidade Jardim, zona oeste.
Para Guilherme Malouf, 36, que ficou no Machado Meyer, apesar das "novidades" dos escritórios recentes, a vantagem da sua banca é ser uma "vitrine". "Aqui eu tenho a segurança de que terei acesso aos maiores clientes", afirma ele, que diz não se incomodar com as muitas regras impostas. "Para mim, elas são a libertação, porque dão mais previsibilidade."
Luiz Felipe Costa, 32, um dos sócios da banca originada com a cisão, enxerga diferente. "Eu via possibilidade de crescer no lugar antigo. Mas, no atual, tenho amizade, além de alinhamento de faixa etária e de interesses", diz ele. "Ninguém chama ninguém de doutor e o uso de terno não é obrigatório."
 
Fonte: GUILHERME GENESTRETI - Folha de São Paulo

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