Por Gil Castello Branco.
Nos últimos dias, a
imprensa revelou quanto o Ronaldinho Gaúcho ganhava — ou deixava de
ganhar — no Flamengo. A informação pode ajudar a esclarecer o que
está acontecendo no mais popular clube do Brasil. Além das campanhas
ruins no Campeonato Carioca e na Taça Libertadores, o rubro-negro
está inscrito no cadastro dos inadimplentes (Cadin), por
pendências
com a Caixa Econômica Federal e com a Procuradoria
Geral do Ministério da Fazenda. Assim, tal como o atleta, o time vai
mal no campo e fora dele.
Futebol à parte, aguarda-se a
divulgação de outros salários que despertam curiosidade: os dos
funcionários públicos brasileiros. Será mesmo verdade que um
ascensorista da Câmara ganha mais do que um piloto da Força Aérea,
como circula na Web? Graças à recente Lei de Acesso à Informação
cada órgão deverá discriminar, individualmente, a remuneração e
todas as vantagens pecuniárias pagas aos servidores. Argumentos
favoráveis não faltam.
Afinal, existem no país 9,4 milhões de
servidores públicos pagos pelos governos federal, estaduais e
municipais, conforme estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) no ano passado. O time de burocratas
cresceu 30,2% entre 2003 e 2010. Cerca de 4,9 milhões estão nas
prefeituras e 3,5 milhões nos estados. As despesas com pessoal nas
três esferas de governo representam 14% do Produto Interno Bruto
(PIB). Para 2012, mais de R$ 200 bilhões estão previstos só no
Orçamento da União para a rubrica “pessoal e encargos sociais”,
valor cinco vezes maior do que o destinado ao Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC).
Embora exista um teto salarial (R$
32.147,90), milhares de funcionários ultrapassam o limite. Em agosto
do ano passado, o site Congresso em Foco mostrou que só no Senado
464 servidores recebiam acima do valor máximo vigente à época. Na
Justiça, já vieram à tona pagamentos milionários a
magistrados de São Paulo e do Rio de Janeiro. A folha de pagamentos
que o Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro
divulgou, por determinação do Conselho Nacional de
Justiça, mostra que, em setembro de 2011, 120
desembargadores receberam mais de R$ 40 mil. Um deles ganhou
extravagantes R$ 642.962,66 entre vencimentos e penduricalhos. Um
assalariado levaria 86 anos para receber este valor.
Com
certeza, os que recebem cerca de meio milhão por mês para ocupar um
cargo público não querem seus nomes na internet. Até porque a
exposição desses megassalários nos Três Poderes provavelmente
contribuirá para o fim da farra.
Apesar disso, não faltam os
que jogam contra. O Sindicato dos Servidores do Legislativo, em
Brasília, já anunciou que irá travar batalha judicial para impedir a
divulgação dos rendimentos. A justificativa é que a publicação
poderá fomentar a indústria do sequestro relâmpago.
A
suposição não condiz com os fatos. Desde 2009, a prefeitura de São
Paulo divulga mensalmente os salários de 165 mil funcionários sem
que se tenha notícia de violências específicas contra esse segmento.
Quanto à discussão jurídica, já ocorreram diversas manifestações em
favor da transparência provenientes, inclusive, do próprio Supremo
Tribunal Federal (STF). O ministro Gilmar Mendes, em 2009, manteve
no ar o site da prefeitura paulista. O atual presidente da Corte,
Carlos Ayres Britto, comentou: “É o preço que se paga pela opção por
uma carreira pública no seio de um Estado republicano.” A ministra
Carmem Lúcia foi além ao exibir o seu contracheque na
internet.
A alegada “invasão de privacidade” também não se
sustenta. Ninguém quer saber o que o servidor faz com o seu salário,
mas sim o quanto recebe do Estado à custa dos impostos, taxas e
contribuições que todos pagam.
Enfim, o maior tabu
relacionado à aplicação da Lei de Acesso à Informação está por um
fio. Na verdade, custamos a entrar para sócios do clube da
transparência. Inúmeros países já colocam à mostra os salários dos
servidores públicos como Chile, Peru, México e Paraguai, além de
diversas nações europeias. Nos Estados Unidos, a própria Casa Branca
divulga há anos em seu portal os nomes, os cargos e a remuneração
anual de todos os seus servidores, apesar da Al- Qaeda...
O
raciocínio é claro e lógico. Em qualquer empresa privada, o
proprietário sabe quanto ganham os seus funcionários. No caso dos
servidores públicos, os patrões somos todos nós. A solução é cada um
mostrar, com trabalho, se vale o que custa. Tanto os burocratas
quanto o Ronaldinho.
GIL CASTELLO BRANCO é economista e
fundador da organização não governamental Associação Contas
Abertas.
A alegada “invasão de privacidade”
não se sustenta.
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