junho 08, 2012

O jogo aberto dos salários públicos

Por Gil Castello Branco.

Nos últimos dias, a imprensa revelou quanto o Ronaldinho Gaúcho ganhava — ou deixava de ganhar — no Flamengo. A informação pode ajudar a esclarecer o que está acontecendo no mais popular clube do Brasil. Além das campanhas ruins no Campeonato Carioca e na Taça Libertadores, o rubro-negro está inscrito no cadastro dos inadimplentes (Cadin), por pendências
com a Caixa Econômica Federal e com a Procuradoria Geral do Ministério da Fazenda. Assim, tal como o atleta, o time vai mal no campo e fora dele.





Futebol à parte, aguarda-se a divulgação de outros salários que despertam curiosidade: os dos funcionários públicos brasileiros. Será mesmo verdade que um ascensorista da Câmara ganha mais do que um piloto da Força Aérea, como circula na Web? Graças à recente Lei de Acesso à Informação cada órgão deverá discriminar, individualmente, a remuneração e todas as vantagens pecuniárias pagas aos servidores. Argumentos favoráveis não faltam.

Afinal, existem no país 9,4 milhões de servidores públicos pagos pelos governos federal, estaduais e municipais, conforme estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no ano passado. O time de burocratas cresceu 30,2% entre 2003 e 2010. Cerca de 4,9 milhões estão nas prefeituras e 3,5 milhões nos estados. As despesas com pessoal nas três esferas de governo representam 14% do Produto Interno Bruto (PIB). Para 2012, mais de R$ 200 bilhões estão previstos só no Orçamento da União para a rubrica “pessoal e encargos sociais”, valor cinco vezes maior do que o destinado ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Embora exista um teto salarial (R$ 32.147,90), milhares de funcionários ultrapassam o limite. Em agosto do ano passado, o site Congresso em Foco mostrou que só no Senado 464 servidores recebiam acima do valor máximo vigente à época. Na Justiça, já vieram à tona pagamentos milionários a magistrados de São Paulo e do Rio de Janeiro. A folha de pagamentos que o Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro divulgou, por determinação do Conselho Nacional de Justiça, mostra que, em setembro de 2011, 120 desembargadores receberam mais de R$ 40 mil. Um deles ganhou extravagantes R$ 642.962,66 entre vencimentos e penduricalhos. Um assalariado levaria 86 anos para receber este valor.

Com certeza, os que recebem cerca de meio milhão por mês para ocupar um cargo público não querem seus nomes na internet. Até porque a exposição desses megassalários nos Três Poderes provavelmente contribuirá para o fim da farra.

Apesar disso, não faltam os que jogam contra. O Sindicato dos Servidores do Legislativo, em Brasília, já anunciou que irá travar batalha judicial para impedir a divulgação dos rendimentos. A justificativa é que a publicação poderá fomentar a indústria do sequestro relâmpago.

A suposição não condiz com os fatos. Desde 2009, a prefeitura de São Paulo divulga mensalmente os salários de 165 mil funcionários sem que se tenha notícia de violências específicas contra esse segmento. Quanto à discussão jurídica, já ocorreram diversas manifestações em favor da transparência provenientes, inclusive, do próprio Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Gilmar Mendes, em 2009, manteve no ar o site da prefeitura paulista. O atual presidente da Corte, Carlos Ayres Britto, comentou: “É o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio de um Estado republicano.” A ministra Carmem Lúcia foi além ao exibir o seu contracheque na internet.

A alegada “invasão de privacidade” também não se sustenta. Ninguém quer saber o que o servidor faz com o seu salário, mas sim o quanto recebe do Estado à custa dos impostos, taxas e contribuições que todos pagam.

Enfim, o maior tabu relacionado à aplicação da Lei de Acesso à Informação está por um fio. Na verdade, custamos a entrar para sócios do clube da transparência. Inúmeros países já colocam à mostra os salários dos servidores públicos como Chile, Peru, México e Paraguai, além de diversas nações europeias. Nos Estados Unidos, a própria Casa Branca divulga há anos em seu portal os nomes, os cargos e a remuneração anual de todos os seus servidores, apesar da Al- Qaeda...

O raciocínio é claro e lógico. Em qualquer empresa privada, o proprietário sabe quanto ganham os seus funcionários. No caso dos servidores públicos, os patrões somos todos nós. A solução é cada um mostrar, com trabalho, se vale o que custa. Tanto os burocratas quanto o Ronaldinho.

GIL CASTELLO BRANCO é economista e fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas.

A alegada “invasão de privacidade” não se sustenta.

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